Acontece que o Marcelo não está mais aqui. Ele se foi muito jovem, tinha 28 anos, e a Bia tinha acabado de completar três. Apesar de estarmos separados, os dois eram bem próximos e passavam os finais de semana juntos com frequência. Tentar explicar a morte do pai para um filho pequeno foi a missão mais difícil da minha vida, e continua sendo. Porque a saudade não acaba nunca. E as perguntas que saem da cabecinha dela, ah, essas são de partir o coração.
Há algumas semanas, um polvo de pelúcia que foi presente do pai e que andava esquecido no fundo do guarda-roupa voltou a ser companheiro inseparável da Bia. E não há uma noite em que ela não peça pra dormir abraçada comigo. Dia desses, no meio de uma conversa, eu disse: "Bia, você sabe que a mamãe não vai deixar de te amar só porque vai ter outro bebê, né?". Ao invés de concordar, ela me saiu com um "tem certeza disso, mãe?".
Bia e papai Marcelo em Icoaraci
Sei que esse medo de "ficar no canto" é normal, e acredito que somente com muita conversa e demonstrações de afeto, agora e depois que o bebê nascer, ela vai se sentir mais segura. Já a saudade do pai é um sentimento mil vezes mais difícil de administrar.
Menos de um ano depois da morte do Marcelo, a Bia aprendeu a ler sozinha. Ela tinha acabado de completar quatro anos. Lembro do quanto fiquei triste por não poder compartilhar isso com ele. Isso e milhares de outras coisas que vieram depois: a catapora, o recital de Natal, os avanços na aula de natação, os bonecos de massinha, a preguiça de tomar banho, o amor pelos animais, as dezenas de cartas e histórias em quadrinhos. Penso no quanto ele sentiria orgulho de vê-la assim, uma garotinha com a cabeça cheia de ideias, a imaginação que voa lá longe e uma gargalhada que enche a casa de alegria.
Imaginei sua Beatriz lendo esse texto daqui a uns anos... a saudade de fato é algo difícil de se administrar e mesmo expressar, e somos abençoados por ter um pouco de domínio de algumas ferramentas para transpô-la e partilhar com as pessoas.
ResponderExcluirTexto coerente ao clima desta noite. Muito obrigado.
Com relação a saudade do pai, o melhor é que existe o tempo e ele permite que tudo passe e isso também vai passar deixando nela apenas uma saudosa e feliz lembrança dos momentos compartilhados com ele. É o que de coração espero que aconteça para ela.
ResponderExcluirO ciúme do bebê é muito complexo. eu tinha nove anos quando meu único irmão nasceu e até os 15 anos, quando eu descobri o que me afligia, fui uma adolescente rebelde e a pior das filhas. Isso me afastou definitivamente de minha mãe criando abismos que nunca conseguimos transpor. a relação com meu irmão ficou excelente com o tempo, mas nunca mais me aproximei da minha mãe que morreu sem nunca termos sido amigas.
Marcinha,
ResponderExcluirhá muitas coisas na vida inexplicáveis, e a morte de alguém querido, ainda mais na juventude, é uma das mais contundentes. tenho lembranças do Borel pelas noites de Belém, onde vez por outra nos encontrávamos, sempre bem-humorado, e sempre simpático e fraterno, comigo e com todos. teu texto é bastante comovente, porque lembro também do meu pai que, apesar de não ter morrido, já "foi embora" várias vezes da minha vida, e agora mesmo, mora distante, e por falta de tempo e oportunidades, nos vemos pouco. mas está vivo, e eu posso ir lá vê-lo. fico imaginando ser essa garotinha, tentando entender essa ausência, e ainda tendo que lidar com a "ameaça do irmãozinho". ama muito essa menina, Marcinha. porque nós outros, teus amigos, te amamos demais.
beijos,
r
A Bia faz o luto do pai, se calhar, só agora. Ès o porto dela. Ela vai perceber que não tem a temer, pq o amor que sentes por tuas filhas transborda, Marcinha, de tanto que não cabe dentro de ti.
ResponderExcluirDeus abençoe a ti e a toda tua linda família.
Bj
p.s: Para falar de superar saudades eu não sou a pessoa mais indicada...foram perdas muito antecipadas que ainda não tive tempo de pensá-las direito.
fiquei preocupada com meu comentário sobre ciume infantil. tomara que não penses que isso possa acontecer com a Bia. A situação é outra, a mãe é muito diferente. tu vais fazer com que ela jamais sinta ciumes. Toda criança merecia uma mãe dedicada e amorosa como és.
ResponderExcluirLourdes, entendo o que dizes, mas sei também que sempre existe a possibilidade de cometermos erros no convívio com aqueles que amamos. Meu desejo agora é manter o equilíbrio, para que essa nova fase tão cheia de desafios traga amadurecimento pra mim e para as minhas meninas. Obrigada pelo apoio de sempre. Amo você.
ResponderExcluir...
Ana, somente o coração sabe medir o quanto as perdas nos são caras. Nenhuma palavra é capaz de alcançar esse sentimento. Obrigada pelos votos. Obrigada por existir. Você é uma grande exemplo pra mim.
...
Renato, obrigada pelo carinho, tu és uma das pessoas que eu mais admiro nesse mundo, não só pelo teu talento, mas pela tua sensibilidade. Beijão pra ti.
...
Breno, te agradeço por compartilhares de forma tão respeitosa sentimentos tão delicados. Um abraço pra você.
Puxa, Trips.
ResponderExcluirGanhos, perdas.
É isso.
Bia se agarra a este amor.
Ame-a, Trips, até demais, até doer.
Obrigado pelo post.